Ausência de Registro na CTPS configura Dano Moral

A 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Estado de São Paulo (2ª Região), condenou a empregadora a pagar a sua trabalhadora indenização por dano moral em decorrência da ausência deliberada da anotação do pacto laboral em sua Carteira de Trabalho.

A fundamentação para a ocorrência do dano foi que a sonegação pelo empregador, além de caracterizar ilícito trabalhista, previdenciário, e até mesmo penal, produz lesões tanto de natureza patrimonial, quanto psicológicos e morais, uma vez que os contratempos e dissabores que atinge duramente a pessoa do empregado e seu núcleo familiar.

Desta forma, sem a anotação do contrato de trabalho em sua CTPS a empregada teve negada sua existência perante o mundo do trabalho por expressivo lapso temporal e viu-se submetida a humilhante anonimato, sendo lhe negada tanto os direitos básicos, como da própria pessoa do trabalhador,sendo excluída socialmente.

Assim: "Apenas o registro posterior, obtido pela via judicial não repara todo o tempo em que a relação foi pura e simplesmente negada, em que se viu excluído e humilhado".
Pelo fundamentos explanados no acordão temos que com a violação dos direitos básicos assegurado ao trabalhador, houve a transgressão implicitamente ao princípio da dignidade da pessoa humana, já que a trabalhadora sofreu exclusão social, sendo anulada como indivíduo perante a sociedade, uma vez que não tinha meios de comprovar sua condição de trabalhadora perante terceiros.

A seguir a integra do ácordão proferido pelo TRT/SP da 2ª Região:

4ª. TURMA
PROCESSO TRT/SP NO:
RECURSO: ORDINÁRIO
RECORRENTE: ISABEL CAMILO DE AZEVEDO
RECORRIDA: CAROLINE YAMOTTO
ORIGEM: 05ª VT DE SANTOS
EMENTAS:

1.DANO MORAL. AUSÊNCIA DELIBERADA DE REGISTRO. O trabalhador deliberadamente sem registro fica marginalizado do mercado. Não contribui para a previdência e não é incluído no FGTS e programas governamentais. Tem dificuldade de abrir conta bancária, obter referência, crédito etc. A anotação da CTPS na via judicial é insuficiente para reparar as lesões decorrentes dessa situação adversa, em que o trabalhador, permanece como “clandestino” em face do mercado de trabalho, à margem do aparato protetivo legal e previdenciário. In casu, sem registro, a reclamante teve negada sua existência perante o mundo do trabalho por expressivo lapso temporal e viu-se submetida a humilhante anonimato. A língua espanhola registra o verbo ningunear, na acepção de “aniquilar, tornar ninguém”. A ausência deliberada do registro, eufemisticamente apelidada de informalidade, é sinônimo de nulificação, negação não apenas de direitos básicos trabalhistas e previdenciários, mas da própria pessoa do trabalhador, traduzindo-se em exclusão social. A ocultação do liame perdurou por cerca de três anos e sequer havia dúvida consistente acerca do vínculo, vez que provada a ativação diária e a empregadora já pagava 13º salário. Devida a indenização por dano moral.
2.DANO MATERIAL. FALTA DE RECOLHIMENTO DO INSS.

Pela falta de registro, a empregada deixou de gozar de benefícios previdenciários durante o período trabalhado, bem como teve afrontado o seu direito de aposentadoria futura pelo órgão oficial, resultando de tal prática, prejuízos materiais a serem reparados, e cuja estipulação é de competência desta Justiça.

Contra a respeitável sentença de fls. 52/56, complementada pela decisão de embargos declaratórios às fls. 75, que julgou procedente em parte a reclamação trabalhista, recorre a reclamante, às fls. 58/65, insistindo no pleito de integração do salário “in natura”, recolhimentos previdenciários, indenização por danos morais.

Custas e depósito recursal às fls. 144/145.

Contra-razões às fls. 153/154 e 158/161.

É o relatório.

V O T O

Conheço porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

DO SALÁRIO IN NATURA.

O Juízo de origem indeferiu a integração do salário in natura (alimentação e despesas de locomoção) na remuneração da autora, por entender que são títulos dotados de caráter institucional, destinados ao bem estar do trabalhador.

Em se tratando de empregada doméstica, os direitos estão insculpidos em norma
especial – Lei nº 5.859, de 11/12/72, que não contempla as pretensões de inclusão da alimentação consumida na residência, e o reembolso da condução, como parcelas de natureza salarial, resultando inaplicável à espécie o disposto no artigo 458 da CLT, que expressamente se direciona às empresas, como se constata de sua redação, in verbis: “Além do pagamento em dinheiro, compreendem -se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas”.

Outrossim, o Art. 2º-A, da Lei 5.859/72 (acrescentado pela Lei nº 11.324, de 19/07/06), veio dispor expressamente que:

“É vedado ao empregador doméstico efetuar desconto no salário do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia.
§ 1º. (..).
§ 2º. As despesas referidas no caput deste artigo não têm natureza salarial nem se incorporam à remuneração para quaisquer efeitos”.
Embora não referido expressamente no supracitado artigo, o pagamento do transporte também não configura fornecimento in natura com feição salarial, já que se destina tão-somente a reembolsar o empregado doméstico pelo gasto com a condução necessária a cumprir o trabalho no âmbito residencial.

Assim, impossível acatar o pedido de reforma.

Mantenho.

DA INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS – FALTA DE RECOLHIMENTO DO INSS

Pugna a reclamante pela condenação em perdas e danos decorrentes da falta de recolhimento do INSS.

Com razão a autora.

As contribuições previdenciárias constituem encargos a serem honrados pelo empregador, constituindo obrigação diretamente associada ao contrato de trabalho, cuja satisfação pelo contratante é inarredável, a teor do artigo 33 da Lei 8
212/91.

In casu,experimentou e ainda experimenta a reclamante, danos por ausência de recolhimentos previdenciários pela reclamada, tendo em vista a prestação de serviços à ré com ocultação do vínculo empregatício por quase 3 (três) anos.

Ora, a empregada deixou de gozar de benefícios previdenciários durante o período trabalhado, bem como teve afrontado o seu direito de aposentadoria futura pelo órgão oficial, resultando de tal prática, prejuízos materiais a serem reparados, e cuja estipulação é de competência desta Justiça.

Nesse sentido é o julgado a seguir reproduzido:

“Indenização. Dano Material. Recolhimento. INSS. Cuida-se de ação de indenização movida pelo empregado contra seu ex-empregador decorrente do não recolhimento de contribuições ao INSS, o que o impediu de receber o auxílio-doença a que tinha direito. Asseverou o Min. Relator ser inegável a competência da Justiça do Trabalho para julgamento do presente feito, tendo em vista tratar-se de pedido de indenização por dano material decorrente diretamente da relação de trabalho. CC 58.881-SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 9/5/2007 (informativo 319).” Cit in Julgamentos e Súmulas STF e STJ: compilação das principais decisões / Tânia Regina Trombini Faga, organizadora. -São Paulo: Método, 2008″. (Concursos Públicos).
Assim, arbitro a título de perdas e danos o montante indenizatório equivalente a 3 (três) anos de recolhimentos previdenciários incidente sobre o salário contratual da reclamante na época de sua demissão.

Reformo.

DO DANO MORAL

Pretende a autora indenização por dano moral, tendo em vista a falta de anotação do contrato de trabalho e a percepção das verbas e vantagens a ele inerentes, e a falta de assistência social.
Assiste-lhe razão parcial.

Tendo em vista o reconhecimento da ocultação fraudulenta do vínculo de emprego da autora, empregada doméstica da ré por cerca de 3 (três) anos, impossível negar o direito da demandante à reparação pelos danos morais decorrentes da sonegação do registro do pacto laboral, que, dentro do contexto, vitima a trabalhadora, em diversos aspectos de sua vida, seja no campo profissional, social, previdenciário, entre outros.

Com efeito, em razão da ocultação do pacto laboral, a reclamante permaneceu como uma “clandestina” em face do mercado de trabalho, à margem do aparato protetivo legal, previdenciário etc. Foi mantida sem sua identidade como trabalhadora, com a existência negada pela empregadora perante o mundo do trabalho. Viu-se assim, submetida a humilhante anonimato, um avantesma, tal como a figura espectral de “Garabombo, o Invisível”, imortalizado na saga andina de Manoel Scorza, negado pelas elites e incapaz de ser visto pela sociedade em que vivia.

A 21ª edição do “Dicionário da Língüa Espanhola” passou a registrar o verbo ningunear, na acepção de “aniquilar, tornar ninguém”; 1. Não fazer caso de alguém, não o tomar em consideração; 2. Menosprezar uma pessoa” (apud Dr. José M. Prieto, in Prólogo de “Mobbing”, Como sobreviver ao assédio psicológico no trabalho, Iñaki Piñuel y Zabala, Ed. Loyola).

A ausência deliberada do registro, eufemisticamente apelidada de informalidade, é sinônimo de nulificação, negação não apenas de direitos básicos mas da própria pessoa do trabalhador, trazendo em seu bojo, forte componente de exclusão social, mormente na situação evidenciada nos autos, em que a ocultação do vínculo ocorreu por quase 3 (três) anos.

O trabalhador sem registro fica marginalizado do mercado. Não contribui para a previdência e não é incluído no FGTS e demais programas governamentais. Não obtém crédito, tem dificuldade em abrir/manter conta bancária, obter referência etc, ficando em situação de permanente insegurança e desrespeito. Apenas o registro posterior, obtido pela via judicial não repara todo o tempo em que a relação foi pura e simplesmente negada, em que se viu excluído e humilhado.

Essa modalidade de sonegação pelo empregador, implica ilícito trabalhista, previdenciário, e até mesmo penal, produzindo lesões não apenas de natureza patrimonial, mas, também, contratempos e dissabores que atingem duramente a pessoa do empregado e seu núcleo familiar, sendo manifestos os conseqüentes danos psicológicos e morais sofridos.

A indenização por danos morais objetiva ressarcir o dano sofrido. Sendo assim, a sanção a ser aplicada deve levar em conta o dano em si e ser suficiente a reparar o sofrimento da vítima. Além disso, deve pautar-se pelo justo, não podendo o Judiciário compactuar com o enriquecimento ilícito e nem incentivar a que as pessoas busquem o Judiciário como se busca a sorte na loteria.

Assim, considerando o dano relatado, o contexto fraudulento da ocultação do vínculo com a reclamante, a evidência e a natureza do dano, o tempo de casa, o último salário da autora, salário mínimo de R$380,00, (trezentos e oitenta reais) reconhecido em sentença e o porte da ré, pessoa física, arbitro a indenização por danos morais no montante de R$760,00 (setecentos e sessenta reais), ou seja, 2 (dois) salários da reclamante.

Reformo em parte.

Do exposto, conheço do presente recurso ordinário e, no mérito, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo da reclamante, para acrescentar à condenação da ré o pagamento de: 1) indenização por danos morais no montante de R$760,00 (setecentos e sessenta reais);2) perdas e danos no montante indenizatório equivalente a 3 (três) anos de recolhimentos previdenciários, incidente sobre o derradeiro salário contratual da reclamante, tudo na forma da fundamentação que integra e complementa este dispositivo. No mais, mantenho a sentença de origem. Rearbitro à condenação o valor de R$6.000,00. Custas pela ré no importe de R$120,00.

RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS
Desembargador Relator

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