Analfabeto em estado de pobreza é a prescindibilidade do mandato judicial público

A capacidade postulatória é pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo, uma vez que autor e réu não podem prosseguir em determinada ação sem procurador, exceto nos casos previstos em lei, cuja falta tem o condão de extinguir o feito sem apreciação do mérito (art. 267, IV).

Assim, quando se trata de analfabeto as maiorias das varas e dos tribunais exigem em seus provimentos que a outorga do mandato seja realizado de forma pública, ou seja, em Cartório.

Se o analfabeto possui condições financeiras para o pagamento da taxa da confecção da procuração publica, a situação não interfere que o litígio seja apreciado e dirimido pelo judiciário.

Mas e se tratar de analfabeto em estado de pobreza que não pode arcar com as despesas de um mandato judicial público, estaria sua pretensão impossibilitada de ser julgada pelo poder judiciário?

Se a reposta fosse positiva, estaríamos diante de uma violação à garantia constitucional do acesso a justiça.

No entanto, o analfabeto em estado de pobreza pode a impetrar a ação através das defensorias públicas de sua cidade, se houver, ou pelo convenio da assistência gratuita com a OAB da Subsseção.

Contudo, a outra possibilidade ao analfabeto quer com situação econômica boa, quer em estado de pobreza.

Como o direito deve e evolui para atender os anseios da sociedade, temos que a exigência da procuração pública não se tornar um obstáculo insuperável, pois utilizando da analogia é perfeitamente possível a realização da procuração a rogo e subscrito por duas testemunhas com a finalidade de representação em processo judicial.

O art. 654 do Código Civil dispõe expressamente que:

Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.
§1º O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.
§2º O terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração traga a firma reconhecida.
Ainda, no art. 595 do Código Civil, a respeito do contrato de prestação de serviço diz que:

"No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas".
Assim, se o contrato de prestação de serviços firmado por pessoa analfabeta é válido e eficaz quando assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas, um mandato judicial com esta mesma formalidade para que o casuístico o represente perante o poder judiciário durante a tramitação do processo, também, deve ser considerado valido e eficaz.

Dessa forma, revela-se ultra vires o ato que subordina a representação de pessoa analfabeta a outorga de procuração pública, uma vez que tal exigência está em contrariedade à disposição do artigo 595 do Código Civil, aplicável por analogia, e que permite a assinatura do instrumento a rogo do mandante e subscrita por duas testemunhas.

Tanto é assim, que o CNJ – Conselho Nacional de Justiça – desconstitui a decisão de um dos Tribunais Regionais do Trabalho que julgou extinta a sem julgamento de mérito a reclamação trabalhista em que o analfabeto outorgou procuração a rogo e subscrita por duas testemunhas, justamente porque seu provimento previa a exigência da procuração pública, determinando a apreciação do processo pelo órgão.

Embora, a decisão tenha ocorrido no âmbito da Justiça do Trabalho é viável a aplicabilidade deste entendimento no âmbito da Justiça Estadual já que o CNJ é órgão competente constitucionalmente para fiscalizar os atos administrativos dos Tribunais, normativos ou individuais, que estiverem em contrariedade ao princípio da legalidade, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que sejam adotadas as providências necessárias ao exato cumprimento da lei.

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